VERBA HISPANICA XXXII • RESEÑAS 243 Antónia Coutinho, Clara Nunes Correia, Maria do Céu Cetano (orgs.) (2024) «Sedia la fremosa...» Textos de Teresa Brocardo Lisboa: Edições Colibri; 146 pp. «Sedia la fremosa...» Textos de Teresa Brocardo é uma obra publicada em homenagem à doutora Teresa Brocardo, professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa (UNL), organizada por suas colegas e amigas as doutoras Antónia Coutinho, Clara Nunes Correia e Maria do Céu Cetano. Teresa Brocardo (1959-2023), professora catedrática do Departamento de Linguística e investigadora do Centro de Linguística da Universidade NOVA de Lisboa (CLUNL) – Grupo Gramática & Texto, deixou uma marca incontornável sobretudo nos trabalhos que desenvolveu nas áreas de História da Língua Portuguesa e de Linguística Histórica. O volume compõe-se da «Apresentação» escrita pelas três organizadoras, pre- cedida da cantiga Sedia la fremosa do trovador medieval Estevão Coelho, uma delicada pintura de um cenário doméstico, onde uma belíssima dona borda a fio de seda cantando cantigas de amigo, relacionadas com as mágoas de amor. O texto de abertura «Grandes trezentos anos estevo assí, ou mais, cuidando que non estevéra senon pouco» foi escrito por uma das alunas mais marcantes da Teresa Brocardo, Sara Figueiredo Costa, que em palavras dela não é um ar- tigo académico, mas «um registo pessoal de um percurso que cruzou a vontade de saber como falavam os antigos e o privilégio de ter tido a Professora Teresa Brocardo como guia» (p. 11). Os dez textos de Teresa Brocardo que estão a seguir, são textos ao jeito dos en- contros informais (Workshops em Gramática e Texto) e outros mais formais como artigos apresentados em conferências como a Conferência Internacio- nal em Gramática e Texto (GRATO). São recolhidos pelas organizadoras que mantiveram a ordem cronológica de publicação. O primeiro tem o título de «Polissemia e mudança linguística». Sublinha o conceito de polissemia como crucial, enquanto conceito operativo, para a aná- lise diacrónica. A polissemia pode ser ponto de partida para desenvolvimentos teóricos e metodológicos na análise do funcionamento e evolução de formas e estruturas. A autora apresenta como exemplo a possível polissemia do verbo haver em textos portugueses dos séculos XIII a XV. VERBA HISPANICA XXXII • RESEÑAS 244 «…. Porque foi assim! (Notas sobre a explicação em diacronia)» aborda o tema da explicação na diacronia. Tradicionalmente os estudos linguísticos utilizavam o enfoque diacrónico para fenómenos sincrónicos, para explicar o presente de uma maneira muito geral e simplificada. Por outra parte, algumas investigações da linguística histórica marcam a importância do estudo das va- riações sincrónicas como método para entender melhor as mudanças passadas. A autora defende uma interligação das perspetivas sincrónica e diacrónica nos estudos linguísticos. O texto «Nótulas históricas- uma (re)leitura de Campos (2000)» procede da (re)leitura dum dos textos de Henriqueta Costa Campos “Nouvelles Ambi- tions de la Linguistique Diachronique”, publicado nas Actes du XXII e Con- grès International de Linguistique et Philologie Romanes. O artigo centra-se no aspeto diacrónico, em especial na evolução do pretérito perfeito composto em português. O pressuposto que a diacronia poderá ser complementar da descrição sincrónica é o ponto de partida de Teresa Brocardo para a análise de algumas formas verbais, em particular do pretérito perfeito composto e a evolução de haver e ter em português antigo. Em «Forma, construção e significado – nótula sobre gramaticalização e ana- logia» a autora reflexiona sobre diferentes definições da gramaticalização e discute o conceito de construção. Seguidamente analisa dois casos diferentes de gramaticalização em português: o futuro românico sintético e a construção com haver e ter + PP. Apresenta a hipótese de que este tipo de construções poderia ter funcionado como condicionamento analógico de gramaticalização de haver e ter + PP em formas de tempo composto a partir de construções que, inicialmente, não tinham esse valor. «O texto no tempo em que não havia gramáticas» situa o leitor no âmbito dos estudos linguísticos onde as duas áreas, à partida muito diferenciadas, a linguística do texto e a linguística histórica, se debruçam sobre os textos (p. 64). No primeiro caso o texto é o objeto do estudo, no segundo os textos são a fonte. Desde a perspetiva da linguística histórica a autora chama a atenção sobre alguns itens relacionados com as noções de texto e testemunhos, sugerindo que as contribuições da linguística do texto, em particular a noção de género, poderiam ser muito importantes para o enfoque dos textos como fontes de estudos diacrónicos. Em «Sedia la fremosa… Uma proposta de estudo diacrónico de ser (> sedere e esse) e estar em português» a autora delineia uma proposta de estudo sobre a VERBA HISPANICA XXXII • RESEÑAS 245 diacronia de ser e estar em português partindo de algumas observações muito gerais sobre os dois verbos e, com base em obras de referência, aponta algumas especificidades da diacronia destes dois verbos com os exemplos de textos dos séculos XIII a finais do XV. No texto «Representações do/no tempo – nótula sobre passados» a autora parte da ideia de que a mudança é representada a partir das suas manifestações e interpretações. Descreve brevemente a evolução do futuro do passado ou condicional e do pretérito mais-que-perfeito que na visão diacrónica primeiro é usualmente referido como inovação e o segundo como mais conservador. O texto «Comente o seguinte texto fonte» focaliza em comentários linguís- ticos de textos-fontes de português antigo e demonstra que este tipo de ati- vidade pode ser um método útil e relevante para discutir temas de mudanças linguísticas. Mostra como exemplo os comentários sobre os dois testemunhos do testamento de Afonso II (1214) e comenta os artigos definidos em relação aos possessivos. Em «Haver e ter - balanços e perspetivas» a autora examina a evolução dos verbos haver e ter. Numa perspetiva diacrónica destaca a obsolescência total de haver como verbo pleno de posse ou verbo leve e a tendência para o seu desuso como auxiliar de tempos compostos na maioria dos registos. A autora afirma que, pelo contrário, em perífrases com infinitivo que associam valores modais deônticos ao valor temporal de futuro, a diacronia de haver e ter pa- rece mostrar um percurso diferente com a persistência de haver neste tipo de construções. Teresa Brocardo, no último texto «Nas “margens” do “texto” – notas so- bre variantes em formas de dever e poder», fez uma pesquisa exaustiva das construções com dever e com poder na Crónica do Conde D. Pedro de Meneses de Gomes Eanes de Zurara, assentando-a em dois testemunhos da Crónica, os mais antigos, de finais do século XV e princípios do século XVI. Apresenta uma breve exemplificação de variantes geradas no processo de cópia manus- crita e observa que as variantes que incidem em formas associadas à expressão de valores modais podem constituir-se como dados relevantes para a análise linguística diacrónica. Segue uma exaustiva Bibliografia de Teresa Brocardo. O volume conclui com um capítulo final que consta de três textos, recensões dos artigos de Teresa Brocardo, presentes neste volume, escritos pelas organizadoras da obra sobre diferentes temas tratados por Teresa Brocardo. Clara Nunes Correia em «Ler VERBA HISPANICA XXXII • RESEÑAS 246 Teresa Brocardo» escolheu três textos cujo tema se aproxima de trabalhos que desenvolveram em conjunto (os tempos gramaticais) ou sobre propostas de- senvolvidas por Henriqueta Costa Campos, sobre todo aplicáveis aos verbos dever e poder. Antónia Coutinho em «Quantas margens tem o texto? – divaga- ções e interpelações» examina nos textos reunidos neste volume o texto objeto de discussão. Reflete sobre a questão da categorização textual, de textos e ‘não textos’, do papel do comentário como recurso metodológico, da confluência de várias áreas de conhecimento, nomeadamente de estudos textuais e discur- sivos e de estudos diacrónicos. Maria do Céu Caetano no seu artigo «Formas e construções em diacronia» passa em revista três textos de Teresa Brocardo reunidos neste volume («Polissemia e mudança linguística», «...Porque foi as- sim! (notas sobre a explicação em diacronia») e «Forma, construção e signi- ficado – nótula sobre gramaticalização e analogia») e afirma que as formas e construções tratadas são orientadas para a interpretação de conceitos e subli- nham a importância de estudos diacrónicos devidamente enquadrados teórica e metodologicamente. «Sedia la fremosa...» Textos de Teresa Brocardo não é só uma grata homenagem à professora Teresa Brocardo que teve um papel fundamental no desenvolvimento da Linguística Histórica e da História da Língua Portuguesa, sendo uma referência incontornável neste campo não tanto nos países de língua portuguesa, como também noutras partes do mundo, mas é também uma coletânea de textos de Teresa Brocardo que, em palavras das organizadoras, «potenciam novas leituras, reconvertem-se em pontos de partida, abrem caminhos mais ou menos inesperados para o muito que se pode vir a fazer e a investigar». Jasmina Markič Universidade de Ljubljana